A força do silêncio e a "solidão infinita" que atravessam o universo pictórico de Juan Genovés (1930 – 2020) são reveladas ao público na exposição Juan Genovés – A Intensidade do Silêncio, a primeira dedicada à obra do artista espanhol a ser realizada em Portugal, patente no Centro Cultural de Cascais entre 4 de junho e 11 setembro de 2022, numa iniciativa da Fundação D. Luís I e da Câmara Municipal de Cascais no âmbito da programação do Bairro dos Museus.
Celebrado como um dos mais importantes nomes da arte espanhola contemporânea, Juan Genovés nasceu em 1930, em Valência, e cresceu sob o regime fascista de Francisco Franco, o que influenciou intimamente os temas que explorou na sua produção artística. Esteticamente fascinantes e profundamente enraizadas no realismo social e político, as suas pinturas são um símbolo da reivindicação democrática e da luta antifranquista em Espanha.
Cronologicamente organizadas, as cinquenta e oito pinturas apresentadas em Juan Genovés – A Intensidade do Silêncio revelam um pintor inquieto, acutilante e ciente do papel do artista na sociedade. A sua firme convicção na arte como veículo de transformação e a atenção aos fenómenos sociais e políticos levaram-no a participar em alguns dos mais importantes movimentos artísticos em Espanha do pós-guerra: Los Siete (1949), Parpallós (1956) e Hondo (1960).
O percurso expositivo começa com obras dos anos 60, quando o artista decide usar as suas pinturas como meio de expressão sem censura. Telas como El Encuentro (1965), Obreros (1975), Caras Tapadas (1975) e La Silla Vacía (1976), que poderão ser vistas em Cascais, são exemplos de como Genovés desenvolveu uma nova maneira de abordar a pintura figurativa e produziu obras fortemente expressionistas e provocadoras. Juan Genovés é um artista capaz de nos mostrar "realidades silenciadas" usando a arte como instrumento social, um testemunho da realidade e um compasso moral.
No texto que acompanha o catálago da mostra, a curadora Maria Toral observa que "longe de ficar à margem como fariam os outros, o artista decidiu fazer das suas criações um meio de comunicação, erguendo-se como a voz dos silenciados. As suas obras hoje, com o distanciamento dos anos, tornam-se crónicas, testemunhos históricos ao mostrar-nos abertamente todas as consequências desastrosas da privação de liberdade. Criações, que, infelizmente são muito atuais" diante da tragédia na Ucrânia.
Adiante reflete ainda que "para Genovés, a arte não é decorativa, é combativa. As suas obras são pura filosofia e uma análise clínica da sociedade que o cerca. Assim, percorrendo as salas desta exposição, o público poderá compreender como Genovés se foi transformando ao mesmo tempo que a sociedade que o rodeia" também se transformava.
Ainda a partir dos anos 60, a obra de Genovés começa a concentrar-se em dois temas principais: "o indivíduo solitário" e "a multidão". A memória traumática de multidões correndo para abrigos que testemunhou ainda criança em Valência durante a Guerra Civil Espanhola incidentalmente informariam o seu trabalho. Punto de Mira (1966) e Objetivo (1970) são exemplos de obras em que o artista explorou representações de multidões em visão panorâmica para criar paisagens formadas por pessoas em movimento, utilizando cores planas e com o recurso a uma estrutura plástica de aspeto cinematográfico.
Após a queda do regime franquista em 1975, o seu estilo evoluiu para aquele pelo qual é mais conhecido atualmente. No seu trabalho posterior, as composições tornaram-se menos existenciais em tom, mas ainda lançam um olhar crítico sobre a tensão que surge nas hordas de pessoas, em telas como Barrera (2009) e Dilatado (2012).
Representando a relação entre o indivíduo e as massas, as suas pinturas aéreas não oferecem qualquer contexto para um lugar específico, como edifícios, estradas ou árvores. Ao elevar a perspetiva dos espetadores, o artista concede-nos liberdade para interpretar o seu mundo. Enquanto as suas figuras parecem suspensas em movimento, cada uma sendo ancorada pela sua própria sombra, o modo como a tinta acrílica que utiliza é aplicada – de forma espessa, projetando-se para além das superfícies das suas telas – concede aos seus quadros um ímpeto de energia e intensidade, o que ainda se amplifica pela adição de linhas aleatórias, respingos de tinta, miçangas e outros pequenos objetos coletados pelo artista.
Nos seus últimos anos de produção artística, dedicou-se a investigar o movimento na pintura estática. A multidão torna-se um ponto de partida para um diálogo sobre os desafios da representação plástica do ritmo visual. Juan Genovés, que acreditava que "o criador encontra-se num espaço de solidão introspetiva, mas posicionado no coração do movimento social, nesse lugar onde as tensões ganham forma, onde se cristalizam e onde se convertem num símbolo ou num emblema", faleceu em maio de 2020 em Madrid, alguns dias antes de completar 90 anos. Sin Firmar (2020), o último quadro que pintou – que assim permanece, sem assinatura, porque faleceu antes de poder fazê-lo – será agora, pela primeira vez, apresentado numa exposição.