A ficcionista brasileira Nara Vidal acaba de chegar a Cascais, onde residirá até meados de dezembro, no âmbito das Residências Literárias da Fundação D. Luís I.
Depois do espanhol Javier Cercas, do inglês Jonathan Coe, do norte-americano Michael Cunningham e do francês Olivier Rolin, é a vez de Nara Vidal residir durante dois meses em Cascais, onde irá trabalhar no seu próximo romance e num ensaio sobre as personagens femininas na obra de William Shakespeare.
Organizadas pela Fundação Dom Luís I, no âmbito da ação cultural da Câmara Municipal de Cascais, coordenadas pela escritora e crítica literária Filipa Melo e efetuadas exclusivamente por convite, as Residências Literárias da Fundação Dom Luís I permitem a cada autor-residente uma estada de dois meses na vila de Cascais, fornecendo-lhe um espaço para alojamento e um espaço para criação. Inauguradas com a residência de Olivier Rolin, em 2018, acolheram em seguida o romancista norte-americano Michael Cunningham (maio a julho de 2019), o romancista inglês Jonathan Coe (outubro a dezembro de 2019) e o romancista espanhol Javier Cercas (junho a julho 2021).
Reconhecido internacionalmente, este programa de residências literárias distingue-se por hospedar autores consagrados de todos os géneros e de todo o mundo, permitindo-lhes mergulhar num ambiente de refúgio propício para descontrair e criar novos trabalhos, bem como contactar com Portugal, em particular o Concelho de Cascais, e a cultura portuguesa. Os autores-residentes ficam hospedados no hotel Pestana Cidadela Cascais/Pousada Art District (parceiro do programa), idealmente localizado para o envolvimento com a comunidade cascalense.
Sobre Nara Vidal | Nasceu na cidade mineira de Guarani e é formada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com mestrado em Artes e Herança Cultural pela London Met University. Autora de vários livros infanto-juvenis e de contos (categoria em que foi distinguida com o Prémio Maximiano Campos em 2014), a escritora levou seis anos para concluir a sua primeira ficção longa, Sorte, consagrada com o terceiro lugar do Prémio Oceanos 2019. Em parceria com a University College London, Nara Vidal foi co-fundadora do Brazilian Translation Club e mantém uma livraria online especializada em literatura brasileira contemporânea, a Capitolina Books (nome inspirado na personagem Maria Capitolina Santiago, a Capitu, de Dom Casmurro, de Machado de Assis). Foi galardoada por três vezes, na categoria Literatura, com o Brazilian Press Awards, prémio que destaca a promoção da cultura brasileira no Reino Unido. Atualmente, é tradutora e colunista dos jornais Tribuna de Minas e Rascunho, escreve sobre dança e artes em publicações inglesas e assina a edição da Capitolina Revista (publicação gratuita, dedicada à literatura contemporânea em língua portuguesa, destacada com um prémio pela Associação Paulista de Críticos de Arte). Nara Vidal vive na cidade inglesa de Tunbridge Wells, no condado de Kent, tendo-se mudado para Inglaterra em 2001, devido à sua paixão por William Shakespeare.
Obras publicadas:
Mapas Para Desaparecer | contos, Faria e Silva Editora, 2020
O lado B, o lado escuro das vidas quotidianas de famílias e as suas dinâmicas opressoras e abusivas. O silêncio de um casamento desgastado, o desaparecimento de uma filha, a exploração social, o abuso do corpo, o esquecimento em vida, a hipocrisia e a inveja dos pares, a repressão sexual e a mentira compulsiva são alguns dos temas tratados nos 11 contos de Mapas Para Desaparecer, nos quais a autora revela o avesso da pele das personagens para nos mostrar a crueza e a profundidade das relações humanas através das várias formas de submissão e disfarce quotidianos.
«O conto "Mapas" para desaparecer fecha a coletânea de forma belíssima, usando recursos de prosa poética e fazendo uma reflexão que poderia ter sido a de todos os personagens dos contos anteriores sobre o sentido da vida e a inevitabilidade do desaparecimento; sobre o corpo e o tempo; ou melhor, sobre o corpo como única eternidade possível: "Você evapora e isso coincide com o seu esquecimento. As pessoas que habitaram seus mapas já não se lembram das suas feições, do seu cheiro. [...] Paradoxalmente, já que um mapa é um objeto cuja função é ajudar a encontrar, Nara Vidal nos revela sua função de ajudar a perder. Viver não deixará uma história cravada no tempo, tudo caminha para o desaparecimento. Esse mapa é marcado pelo lugar derradeiro e não nos deixa outra saída a não ser optarmos por nós mesmos, sem esconderijos, enquanto fazemos o trajeto que não sabemos até que ponto podemos mapear, pois nossas linhas dependem também das linhas dos outros, nossa geografia é atropelada por outros acidentes geográficos que nos avizinham. Nos contos de Mapas para desaparecer o que está posto é a ruína da entrega à desistência de si. São poucos os personagens, como Gustavo, por exemplo, ou Rose, que terão coragem de ser em algum momento, de existir aparecendo, assumindo-se. No geral, a vida será assolada pela morte, ainda que travestida por nomes como disfarce, engano, ausência, cancelamento, apagamento, extravio, anulação, indigência, final, fuga.» | Adriane Garcia, Revista Mirada «Quase todos os contos de Vidal — mineira radicada na Inglaterra desde 2001 e vencedora do Prémio Oceanos em 2019 com o romance Sorte — são narrados e protagonizados por mulheres. Parece que são elas, mais do que os homens, que ainda tendem a desaparecer na sociedade do século XXI.» | Dirce Waltrick do Amarante «Este robusto e representativo projeto literário ganha uma nova extensão com o lançamento de Mapas para desaparecer, reunião de narrativas breves que se interligam pela forma com que os conflitos internos das personagens se desgarram de uma realidade muito presente para conduzir tramas assombradas por um elemento dramático: o apagamento. Em 12 textos, ora narrados em primeira, ora em terceira pessoa, mulheres desaparecem fisicamente, fazem ou fazem-se sumir, são anuladas em estados sociais e em circunstâncias de natureza emocional, na maioria das vezes suprimidas por modelos da toxidez masculina, em diferentes aspectos de pessoalidade. Nos contos ficam evidentes algumas características técnicas que irão nortear a maneira com a qual Nara engendra e valoriza seus contos. Frases geralmente curtas, com preferência pela coordenação; forte incursão mental, sem nunca esbarrar no melodrama; retratos complexos de suas personagens, pressentidos de forma clara; e um vocabulário fácil, embora elegante, com palavras escolhidas a dedo. Outro ponto que chama a atenção é a articulação dos fios narrativos, natural da efabulação romanesca, na qual alguns contextos e transições temporais são correlacionados, mas sem nunca perder a meada ou atrapalhar o entendimento da leitura.» | Sérgio Tavares
Sorte | romance, Editora Moinhos, Prémio Oceanos 2019
Em 1827, a família Cunningham foge da fome da batata que então assola a Irlanda e segue num navio em direção ao Rio de Janeiro. Durante a travessia, a narradora das duas primeiras partes, Margareth, engravida de um médico missionário — nunca mais se encontrarão. Solteira numa casa com quatro irmãs e dois irmãos, Margareth narra a opressão de crescer numa família muito católica, com um pai extremamente severo e machista. Já no Brasil, ela torna-se a vergonha da família e é acolhida por freiras fundadoras de uma Casa da Vergonha, nas serras entre o Rio e Minas. Lá, mulheres vindas sobretudo da Europa, as chamadas "mulheres caídas", são obrigadas a trabalhar enquanto aguardam o nascimento dos seus bebés, que são depois sequestrados pelas próprias freiras e vendidos a famílias portuguesas ricas fixadas no Brasil. Antes de ser levada para o convento, Margareth torna-se amiga de Mariava, uma negra escravizada pela família portuguesa do senhor Vaz Peixoto, de quem é vítima de abuso sexual e engravida. A amizade entre as duas mulheres terá consequências imprevisíveis, quando Mariava segue para Minas, fugida da quinta dos Vaz Peixoto, com duas crianças, uma negra e outra branca, a seu cargo. Ao longo do romance, o leitor descobrirá as suas identidades e perceberá, por fim, a alegoria da lenda da ilha de Hy-Brasil, conto celta e mítico que fala de uma ilha de mentiras e fantasias, que seduz os seus habitantes, mas os destrói: a metáfora brasileira.«Uma narrativa seca, concisa e precisa, impactante, densa e sombria. A imersão nessa história perturbadora é um exercício absolutamente aconselhável, mas para dias em que nos sentimos mais fortes para não sairmos arrasados dessa leitura tão certeira.» | Daniel Jonas, poeta português, na cerimónia de entrega do Prémio Oceanos
«Sorte é um livro que fala, especialmente, sobre opressão, racismo e hierarquia religiosa tolerados por mulheres no século dezenove, principalmente no Brasil. Em termos de estrutura e estilo, Sorte é uma novela que permanece. Uma vez terminada a leitura, ainda que findo o texto, a reflexão e o impacto permanecem.» | Mateus Baldi, O Estado de São Paulo «Recheado de imagem e carregando uma narrativa cristalina, Sorte tem uma estrutura formal que é tão lírica e densa quanto sutil. Esse é um livro que explora bem a mitologia que ronda os refugiados do passado, mas impressionantemente se relaciona com os dramas das políticas de imigração dos nossos dias. Uma narrativa sombria, densa e elegante sem qualquer tipo de excesso e pontuada por um lirismo cruel.» | Ronaldo Cagiano
A Loucura dos Outros | contos, Editora Reformatório, 2017
O tempo morde tanto ou mais do que a loucura nos contos breves e cortantes de Nara Vidal. A decrepitude está à espreita em cada esquina, em cada casamento acomodado, em cada frustração ou momento de tédio. Com nomes de mulheres, estas pequenas fábulas são humanas, de tão cruéis. O que é ser "humano", afinal, parece perguntar-se Nara a cada parágrafo. O que fazemos aqui? Existimos apenas nos reproduzirmos e depois morrermos, insatisfeitos com a vida, como a mariposa Atlas no conto final, "Íris"? O amor, neste livro duro, mas saborosíssimo, só vinga quando é impossível ou quando a morte o arrebata — só resta atear fogo às vestes, com uma garrafa de rum e uma prosaica caixa de fósforos.
Lugar Comum | contos, Editora Pasavento, 2017
Repletas de reflexões e com um bom humor refinado, estas crónicas de uma decoradora (além disso, fina observadora da natureza humana) cativam na medida em que a decoração de interiores faz as pessoas revelarem muito do que são.
Literatura infanto-juvenil: As Cores do Arco-íris (Editora Dimensão, 2019); Dagoberto (Rona Edições, 2016); O Doce Plano das Galinhas (Cuore Editora, 2015); A Menina e os Relógios (Dsop Editora, 2015); Pindorama de Sucupira (Mazza Edições, 2014); Arco-íris em Preto e Branco (Editora Dimensão, 2014).