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Ana Hatherly

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ANA HATHERLY, artista singular e plural, é uma escritora, poeta, ensaísta, tradutora, performer, pintora, cineasta, académica, e poderíamos talvez continuar.
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Nasceu no Porto em 1929. Falando da sua infância nesta cidade, Hatherly conta a Ana Sousa Dias – em 2004, no programa Por outro Lado, da RTP 2 – que a sua avó, que a criou e educou «à moda vitoriana», era «extremamente católica, conservadora, muito severa», e tinha uma particularidade rara que era ser uma grande cinéfila, cujo filme preferido era O Homem Invisível (The Invisible Man, 1933), de James Whale. Hatherly afirmou senti-lo como um filme de terror: «que realmente povoou a minha infância de terror. Nós vivíamos numa casa grande, antiga, o chão rangia, as portas chiavam, e eu [dizia] "ah! O homem invisível...!" Tinha pesadelos! [risos]». Em 2003, apresenta a exposição Mix Media: Dedicado ao Homem Invisível na Galeria Diferença em Lisboa.
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Viveu depois em Lisboa, na Alemanha, no Reino Unido, nos E.U.A.
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Desde cedo, estudou música erudita, nos anos de 1950 foi para a Alemanha para seguir uma carreira enquanto cantora lírica. A música barroca foi a sua primeira vocação, que foi forçada a abandonar.
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Conta a Raquel Santos, em 2003, no programa Entre Nós, como foi na sequência desse abandono que começou a escrever: «realmente a carreira que eu queria ter seguido era a carreira da música. E estudei música, passei pelo conservatório de Lisboa, depois fui para a Alemanha especializar-me, e depois adoeci gravemente, e fiquei impossibilitada de seguir a carreira musical. E foi quando tive que renunciar por razões de saúde a essa carreira que estava em hipótese apenas, então é que eu comecei a escrever. Foi mesmo um médico que me disse, que me ofereceu, aliás, uma caneta de tinta permanente e disse: "Olhe, a criatividade é como um prego num saco, a ponta acaba sempre por aparecer. Se você tem realmente alguma capacidade criadora, experimente escrever, é bem mais descansado do que tocar piano ou cantar ou qualquer profissão musical"».
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Licenciou-se em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
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Em 1958, publica, em edição de autor, o seu primeiro livro de poesia, intitulado Um Ritmo Perdido.
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Em 1959, publica o primeiro poema concreto em Portugal: «[arca poeta seta]». A este propósito, diz: «O primeiro poema veio mal publicado no jornal, porque eles não sabiam o que era um poema concreto!»
[«Queda Livre», entrevista conduzida por Ruth Rosengarten, Arte Ibérica, n.º 4, Maio, 2000; in Ana Hatherly, Interfaces do Olhar: Uma Antologia Crítica, uma Antologia Poética, Lisboa, Roma Editora, 2004, pp. 117.]
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Nos anos de 1960, integra o grupo da Poesia Experimental e começa a desenvolver também uma obra plástica.
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Em 1963, publica a sua primeira (e, de certo modo, única) obra em prosa, O Mestre, na Editora Arcádia.
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Em 1966, publica «Eros Frenético» e «No Grande Espaço É sempre Noite», no «2º Caderno Antológico» da Poesia Experimental, organizado por António Aragão, Herberto Helder e E. M. de Melo e Castro.
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Em 1969, publica, na Moraes Editores, 39 Tisanas, inventando a forma poética «tisana» – esta pertence, segundo a autora, à família do poema em prosa –, que vai praticar durante toda a sua vida. As últimas «tisanas», 463 Tisanas, são publicadas pela editora Quimera em 2006.
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É também em 1969 que expõe individualmente pela primeira vez. A exposição intitula-se Anagramas e teve lugar na Galeria Quadrante em Lisboa.
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Entre 1973 e 1975, publica três importantes livros de poemas ou textos visuais: Mapas da Imaginação e da Memória (1973), A Reinvenção da Leitura: Breve Ensaio Crítico seguido de 19 Textos Visuais (1975) e O Escritor (1975).
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Fez um curso de cinema na London International Film School, da qual obteve um diploma em 1974.
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Estava em Lisboa no 25 de Abril de 1974, que documentou artisticamente, em particular no filme Revolução (1975) e na série de colagens As Ruas de Lisboa (1977).
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No pós-25 de Abril, foi um dos sócios fundadores do P.E.N. Clube Português.
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Entre 1975 e 1976, foi docente no AR.CO, em Lisboa, e entre 1976 e 1978 leccionou na Escola Superior de Cinema do Conservatório Nacional.
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Em 1978, recebe a Medalha de Mérito Linguístico e Filológico Oskar Nobiling, concedida pela Sociedade Brasileira de Língua e Literatura, no Rio de Janeiro.
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Pelos mesmos anos, entre 1978 e 1979, cria para o Canal 2 da RTP o programa Obrigatório Não Ver, cujos guiões foram publicados num livro homónimo em 2009 pela editora Quimera.
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Em 1981, publica com E. M. de Melo e Castro a antologia PO.EX, na Moraes Editores, importante publicação que reúne alguns dos documentos e textos teóricos mais importantes do movimento da Poesia Experimental Portuguesa.
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Em 1986, doutorou-se em Literaturas Hispânicas do Século de Ouro na Universidade da Califórnia em Berkeley.
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Prossegue uma carreira como docente na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Nova de Lisboa, tornando-se professora catedrática do departamento de Estudos Portugueses.
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Entre 1988 e 1991, dirige a revista Claro-Escuro e, entre 1997 e 1999, a revista Incidências.
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Em 1998, recebe o Grande Prémio de Ensaio da APE/TELECOM por O Ladrão Cristalino: Aspectos do Imaginário Barroco. Em 1999, recebe o Prémio de Poesia do P.E.N. Clube Português por Rilkeana.
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Tinha um ateliê em Cascais. Na entrevista que deu ao programa Entre Nós, à pergunta de Raquel Santos, «E vai continuar a pintar?», responde: «Ah, isso, eu espero que me deixem, porque eu só faço isso quando fujo da minha casa de Lisboa e dos meus milhares de livros que estão ali, para ir para o meu ateliê em Cascais, onde ninguém me fala, ninguém me vê!».
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Em 2001, publica a antologia Um Calculador de Improbabilidades, selecção de obras publicadas entre 1959 e 1989, incluindo alguns fac-símiles e, sobretudo, um prefácio e um «Roteiro» escritos por Hatherly que nos conduzem através da sua obra vanguardista e da sua participação na Poesia Experimental. Em 2003, segue-se outra publicação que inscreve um importante gesto antológico, desta vez em relação à obra plástica, intitulada A Mão Inteligente.
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Em 2003, recebe o Prémio Evelyn Encelot, em França, e o Prémio de Poesia Hanibal Lucic, na Croácia. No mesmo ano, recebe também o Prémio de Consagração da Associação Portuguesa de Críticos Literários por O Pavão Negro.
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Em 2007, publica, na &etc, o último livro de poesia A Neo-Penélope.
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Em 2009, é distinguida como Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.
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Em 2011, numa entrevista conduzida por Ana Marques Gastão, a uma pergunta que refere O Mestre e termina com «Nesta fase da sua vida e obra, sente-se como?», responde: «Para mim, sou transparente, para os outros, mais opaca, porque têm dificuldade em abarcar a totalidade das minhas facetas. Não diria que sou opaca, mas poliédrica. Nunca ninguém tem a certeza absoluta de que lado vou estar. Nem eu».
[«Entrevista com Ana Hatherly», in Ana Marques Gastão, O Falar dos Poetas, Porto, Afrontamento, 2011, p. 47.]
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Para além de ter sido uma prolífica tradutora – entre tantos outros, de Pavese, Sacher Masoch, Klossowski, Rougemont, Collin de Plancy, Lowry –, a sua obra também está traduzida em várias línguas – entre outras, em italiano, alemão, castelhano, francês.
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Faleceu em Lisboa, em 2015.
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Entre 2017 e 2018, duas importantes exposições são-lhe dedicadas em Lisboa: Ana Hatherly e o Barroco, na Fundação Calouste Gulbenkian, e Ana Hatherly: Território Anagramático, na Fundação Carmona e Costa. 

378. Todos queremos ser amados, mas o artista quer sê-lo de uma maneira tão total, tão desalmada, que é impossível. Por isso cria. Mas o acto de criar tem muita lama: não é limpo, é mesmo um pouco sórdido, como nascer. O que oferecemos separa-se de nós. Como um segredo violado fica parecido com algo inefável ao ser tocado por uma impura mão.
Ana Hatherly, 463 Tisanas, Lisboa, Quimera, 2006, p. 139.

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