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Projecto Mãos Oblíquas

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Projecto Mãos Oblíquas

Que a mão lhe seja oblíqua.
Herberto Helder, Do Mundo

276. A teimosa realidade. Na arqueologia da paisagem a viagem da escrita é abolição oblíqua, delírio provocado, lição de tentativa. Ao fim de tantos anos o desejo faz-se exílio.
Ana Hatherly, 463 Tisanas

«Mãos Oblíquas» parte do topos da relação do artista com a mão, da mão como órgão-membro da criação, e, por extensão, da relação entre as artes.

Não é por mero acaso que começamos por Ana Hatherly (1929-2015) e por Herberto Helder (1930-2015), dado que para ambos a mão faz parte de uma espécie de vocabulário fundamental. Contemporâneos, mas com percursos literários muito distintos, lembremos que os dois se cruzam brevemente na década de 1960 no movimento da Poesia Experimental, que será determinante para Hatherly – ela torna-se, sem qualquer dúvida, uma das suas figuras mais importantes –, e apenas uma breve passagem para Helder. Em comum, os dois autores criaram obras profundamente marcadas por uma potência interartística: a de Hatherly é-o do ponto de vista conceptual e estendende-se também à prática de várias artes (literatura, artes plásticas, cinema); a de Helder é-o conceptualmente, isto é, observamos uma intensa aproximação a outras artes numa obra que é estritamente textual, literária. De formas muito diferentes em cada autor, em causa está não só o uso de vocabulário referente a outras artes, mas também processos através dos quais se dá a ver como em outras artes.

Seguindo outro topos háptico, desta vez em particular literário, o do texto enquanto tecido e, analogamente, do escrever enquanto tecer de uma trama, o espaço de cada autor está dividido em duas partes: a primeira, «Tramas», é aquela onde se pode ver a obra tecida ou o tecido da obra, são páginas dedicadas a um percurso biográfico-artístico, à tessitura da obra e à apresentação de fontes bibliográficas; a segunda, «Têxteis», trata a relação da obra com a criação, o modo através do qual trabalha as suas matérias, ou seja, é um espaço onde se explora, de forma ensaística, a relação que cada autor pratica e privilegia entre a mão e a arte. 

Porquê a mão? Muito antes de ser um topos artístico, a mão está desde os princípios da humanidade intimamente ligada à imagem e à linguagem. André Leroi-Gourhan mostrou de que modo na arte paleolítica havia uma ligação íntima entra a libertação da mão (o ser humano torna-se bípede, assumindo uma posição vertical) e a figuração, evidenciando de que modo esta última, desde cedo, constituía uma linguagem simbólica através da repetição das mesmas figuras e dos mesmos padrões representativos numa só gruta ou em grutas diferentes. Estas figuras em relação corresponderiam, consequentemente, a um contexto oral, isto é, a algo como uma linguagem falada (cf. Le Geste et la Parole. I – Technique et langage, Paris, Albin Michel, 1964). A mão que desenha (ou que é figurada como as mãos positivas e negativas) cria uma linguagem, assinala uma presença e uma memória.

Dessa ancestralidade significativa e significante, interessa-nos também pensar a mão não só como uma figura do fazer (o sentido grego de poiesis), mas também, e como dissemos, como uma figura possível do diálogo entre as artes, na medida em que, como escreveu Aristóteles em Sobre a Alma, a mão é o «instrumento dos instrumentos» (III, 8, 432a1). Tal significa que ela pode adquirir toda e qualquer função, não tendo nenhuma designada à partida, e que pode, por conseguinte, de cada vez transformar-se em função da operação a realizar. A mão é, neste sentido, a abertura ao possível, incorporando em si mesma um gesto fundamentalmente experimental e inerentemente transversal às artes.

«Mãos Oblíquas» então, iluminando os caminhos enviesados, a experimentação e a metamorfose.

Rita Novas Miranda

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Ana Hatherly
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